O mundo que Chico Lobo, mineiro de
São João Del Rei, nos mostra no novo trabalho musical é uma opção pelo diálogo
com o pluralismo cancional e poético do Brasil e um pouco das muitas vivências
com a viola de Portugal. Como disse o próprio Chico, no encarte do novo CD
“Caipira do Mundo” , trata-se de uma “nova etapa” em sua carreira, que esteve
nesses anos, fortemente vinculada a música “regional”. Já na capa, vemos um
Chico ao lado de uma arte de grafite , feita em São Paulo, mostrando que
o “caipira” está em sua travessia por outros mundos. Abaixo os guetos
estéticos, poderiam ter escrito na imagem os artistas dessa imaginativa arte
urbana popular. Chico vem cheio de Brasil ou brasis e que por isso mesmo conversa
com a poesia de norte a sul, demonstrando a capacidade dos bons mineiros em saber
conversar com o outro, se deixar influenciar, processar a influência e criar
sua própria percepção sem perder a essência. Quem sabe e gosta do que é não tem
medo de dialogar com o outro. Poderíamos dizer que ao modo tropeiros de tempos
“passados”, Chico tece um caminho levando no embornal sua viola para comunicar aquilo
que aprendeu ao longo dessas décadas. Chico, destemido, se nutre de poesia dos
parceiros poetas do Oiapoque ao Chuí. Em “Caipira
do mundo”, vemos um Chico atento com o restante do Brasil, sem largar mão
de sua viola, companheira de estrada, e como um tropeiro que se preza, sabe quanto
é importante viajar por outros mundos e depois trazer as histórias e os aprendizados
novos para casa. Logo na primeira faixa musical “A mais difícil opção”, com
letra da poeta paranaense Alice Ruiz, revela-se a como é importante em toda
profissão e na vida fazermos tudo com amor, e que para isso é preciso suor e
trabalho, e acrescento a ética para que o mérito venha por merecimento e não
por indicação. Pensando na peleja de artista e de povo brasileiro sabemos o
tanto que é necessário ter de amor, suor diário, perseverança e paciência para
seguir nossos caminhos. Em “Caipira do Mundo”,
são 13 faixas. E trouxe sorte! Inicia
com Alice Ruiz, passando no segundo momento, no meu entender, por um dos
maiores letristas da música popular da atualidade, coincidentemente, o xará
paraibano Chico César. Artista inventivo que mesmo com todo reconhecimento não
perde o compromisso com sua arte, além de ser um conhecedor desses muitos
brasis e de parte do mundo. Nessa caipiríssima toada, as violas de Chico,
choram as “Tristeza do Culto”, bem ritmada e pontuada, adornada de certa
melancolia, advinda de certos terríveis desvendamento que o saber nos traz. Seria
talvez, um paralelo com Raul Seixas, “pena não ser burro, não sofria tanto” – para Chico Cesar: “Ô tristeza.../ é o
conhecimento/se eu não soubesse/ai ai meu deus/nessa vida eu não sofria”. E ainda
arremata Chico Lobo, pra quem está atento, “a ignorância é mãe da felicidade”.Na
continuação da travessia, Chico volta para Minas. Com a letra bem talhada pelo
poeta Ricardo Aleixo, nos revela a fé do caminheiro, mineiro e brasileiro de tantas
misturas, na poesia, na cor, que mesmo com tropeços nas pedras do caminho o que
“a vida quer da gente é coragem”, como diria Guimarães Rosa. Em seguida vem “Canto
a cântaros”, Onde Chico põe viola e voz na poesia de Sérgio Natureza, conhecido
letrista carioca tijucano, parceiro de Paulinho da Viola e Tunai e Lenine. Escutamos
então, o ponteio da viola em companhia do belíssimo clarinete de Paulo Sérgio
Santos. Uma aula de canção para essas duplas “néo-caipiras” que surgem aos borbotões
por aí, que não criam nada, mas são boas cópias fiéis da mesmice mercadológica
repetitiva e sem graça que entopem as rádios dos pampas ao Acre. No quinto
pouso encontramos “Pássaro de rima”, outra canção da poesia popular das melhores
heranças do Brasil nordeste. É feita em cima de letra do pernambucano Siba, “cabra
dos bons”, exímio plantador de rima da música brasileira da atualidade e,
também conta com a preciosa e inconfundível sonoridade da Banda de Pau e Corda.
Ter no time essa moçada não é para qualquer um. Daí em diante, Chico emenda a dengosa
e animada “Morena de Minas”, feita na medida pelo maranhense Zeca Baleiro, já
afamado cantor e compositor, conhecedor das estradas e trilhas de Minas, pois conviveu
por algum tempo em Belo
Horizonte, ali no reduto artístico do bairro Primeiro de Maio,
zona norte de Belo Horizonte, e que na certa vai animar muito show do Chico por
esses Brasis. Logo depois, Chico nos presenteia com o diamante: “No fio do
olhar”. Letra belíssima de Verônica Sabino, a canção fala em claro e bom tom: o
que vale é a verdade! Tão fora de moda da vida política do pais. Nessa faixa Chico
Lobo recorta com uma balada e ainda de lambuja convida pra cantar, ninguém
menos, que o grande Zé Geraldo, com sua voz marcante e sinceridade emotiva,
aliás, característica de sua história como artista, avisando: “alma da verdade
é o coração que vê primeiro” e o “que se leva dessa vida não se compra com
dinheiro”. Fico imaginando que se as política das rádios difusoras (principalmente
públicas), fossem um pouco diferente, na certa, arrebentaria Brasil afora. Na oitava
faixa que escutamos “Eu ando muito cansado”, letra do poeta paulista Arnaldo
Antunes. Chico canta a triste constatação de que o aumento da capacidade de
gerar informações, nesses tempos de “tropeirautas”, fez a gente escravo de ter
de “saber tudo”. Outra balada, cheia de sentimento, recolhida ao longo do caminho
sonoro é a “Quando falta o coração”, parceria com outro mineiro, Vander Lee.
Nela, Chico reafirma a necessidade de se colocar sentimento na condução da vida.
Logo depois sucede a “No fim da rua”, a arquitetura da letra é do experiente
nordestino e brasileiro, Fausto Nilo, que nos traz uma cantiga comovida e delicada para embalar a dor das
despedidas. Depois, na faixa 11,
a parceria também bem sucedia com o sempre criativo
compositor Maurício Pereira, paulistano bom de pena, que traz ainda a participação
de Zeca Baleiro que não conseguiu se segurar só na letra, mas que também nos
deu a hora da cantoria – essa fala de um sonho ainda distante – o Brasil com farra,
trabalho e justiça. Na “Cantata”,
escrita pelo sulista Vitor Ramil, encontramos uma moda de viola liricamente
bucólica e bem encaixada com a boa letra. Por fim, no caminhar de Chico Lobo,
ouvimos o instrumental de viola em “Dois rios”, música dos mineiros Samuel
Rosa, Lô Borges e o paulistano Nando Reis. Sempre achei criativa, bonita e
audaciosa a atitude de um violeiro executar na viola uma canção que não seja originariamente
do seu universo cancional. Nesse mundo da arte e da vida, repletos de
preconceitos soa como uma atitude madura e carinhosa. Quem sabe o “caipira mineiro”,
talvez tenha alguma coisa pra ensinar ao mundo sobre a elegância, a singeleza e
o respeito ao outro? Em falta na vida nacional e no planeta: DIFERENÇA NÃO É
DISTÃNCIA/É PRECISO HAVER TOLERÃNCIA/COM A OUTRA PONTA DO PONTO NO OUTRO PONTO
DE VISTA. Destaco ainda o competente
trabalho rítmico e percussivo, ao longo do CD, de Guilherme Kastrup e parabéns
à Rossana Decelso pela ideia e a direção artística. Como digo lá em casa: “se
achegue, assente-se e ouça com o coração”, que a viagem de Chico tem a boa e
imprescindível companhia dos poetas.
Texto: Ricardo Evangelista, poeta -
dueto musical poético Sarau Tropeiro de Belo Horizonte/MG.
Agosto de 2011.