quarta-feira, 31 de agosto de 2011

CHICO LOBO , CAIPIRA DO BRASIL E DO MUNDO

O mundo que Chico Lobo, mineiro de São João Del Rei, nos mostra no novo trabalho musical é uma opção pelo diálogo com o pluralismo cancional e poético do Brasil e um pouco das muitas vivências com a viola de Portugal. Como disse o próprio Chico, no encarte do novo CD “Caipira do Mundo” , trata-se de uma “nova etapa” em sua carreira, que esteve nesses anos, fortemente vinculada a música “regional”. Já na capa, vemos um Chico ao lado de uma arte de grafite , feita em São Paulo, mostrando que o “caipira” está em sua travessia por outros mundos. Abaixo os guetos estéticos, poderiam ter escrito na imagem os artistas dessa imaginativa arte urbana popular. Chico vem cheio de Brasil ou brasis e que por isso mesmo conversa com a poesia de norte a sul, demonstrando a capacidade dos bons mineiros em saber conversar com o outro, se deixar influenciar, processar a influência e criar sua própria percepção sem perder a essência. Quem sabe e gosta do que é não tem medo de dialogar com o outro. Poderíamos dizer que ao modo tropeiros de tempos “passados”, Chico tece um caminho levando no embornal sua viola para comunicar aquilo que aprendeu ao longo dessas décadas. Chico, destemido, se nutre de poesia dos parceiros poetas do Oiapoque ao Chuí. Em “Caipira do mundo”, vemos um Chico atento com o restante do Brasil, sem largar mão de sua viola, companheira de estrada, e como um tropeiro que se preza, sabe quanto é importante viajar por outros mundos e depois trazer as histórias e os aprendizados novos para casa. Logo na primeira faixa musical “A mais difícil opção”, com letra da poeta paranaense Alice Ruiz, revela-se a como é importante em toda profissão e na vida fazermos tudo com amor, e que para isso é preciso suor e trabalho, e acrescento a ética para que o mérito venha por merecimento e não por indicação. Pensando na peleja de artista e de povo brasileiro sabemos o tanto que é necessário ter de amor, suor diário, perseverança e paciência para seguir nossos caminhos. Em “Caipira do Mundo”, são 13 faixas. E trouxe sorte!  Inicia com Alice Ruiz, passando no segundo momento, no meu entender, por um dos maiores letristas da música popular da atualidade, coincidentemente, o xará paraibano Chico César. Artista inventivo que mesmo com todo reconhecimento não perde o compromisso com sua arte, além de ser um conhecedor desses muitos brasis e de parte do mundo. Nessa caipiríssima toada, as violas de Chico, choram as “Tristeza do Culto”, bem ritmada e pontuada, adornada de certa melancolia, advinda de certos terríveis desvendamento que o saber nos traz. Seria talvez, um paralelo com Raul Seixas, “pena não ser burro, não sofria tanto” –  para Chico Cesar: “Ô tristeza.../ é o conhecimento/se eu não soubesse/ai ai meu deus/nessa vida eu não sofria”. E ainda arremata Chico Lobo, pra quem está atento, “a ignorância é mãe da felicidade”.Na continuação da travessia, Chico volta para Minas. Com a letra bem talhada pelo poeta Ricardo Aleixo, nos revela a fé do caminheiro, mineiro e brasileiro de tantas misturas, na poesia, na cor, que mesmo com tropeços nas pedras do caminho o que “a vida quer da gente é coragem”, como diria Guimarães Rosa. Em seguida vem “Canto a cântaros”, Onde Chico põe viola e voz na poesia de Sérgio Natureza, conhecido letrista carioca tijucano, parceiro de Paulinho da Viola e Tunai e Lenine. Escutamos então, o ponteio da viola em companhia do belíssimo clarinete de Paulo Sérgio Santos. Uma aula de canção para essas duplas “néo-caipiras” que surgem aos borbotões por aí, que não criam nada, mas são boas cópias fiéis da mesmice mercadológica repetitiva e sem graça que entopem as rádios dos pampas ao Acre. No quinto pouso encontramos “Pássaro de rima”, outra canção da poesia popular das melhores heranças do Brasil nordeste. É feita em cima de letra do pernambucano Siba, “cabra dos bons”, exímio plantador de rima da música brasileira da atualidade e, também conta com a preciosa e inconfundível sonoridade da Banda de Pau e Corda. Ter no time essa moçada não é para qualquer um. Daí em diante, Chico emenda a dengosa e animada “Morena de Minas”, feita na medida pelo maranhense Zeca Baleiro, já afamado cantor e compositor, conhecedor das estradas e trilhas de Minas, pois conviveu por algum tempo em Belo Horizonte, ali no reduto artístico do bairro Primeiro de Maio, zona norte de Belo Horizonte, e que na certa vai animar muito show do Chico por esses Brasis. Logo depois, Chico nos presenteia com o diamante: “No fio do olhar”. Letra belíssima de Verônica Sabino, a canção fala em claro e bom tom: o que vale é a verdade! Tão fora de moda da vida política do pais. Nessa faixa Chico Lobo recorta com uma balada e ainda de lambuja convida pra cantar, ninguém menos, que o grande Zé Geraldo, com sua voz marcante e sinceridade emotiva, aliás, característica de sua história como artista, avisando: “alma da verdade é o coração que vê primeiro” e o “que se leva dessa vida não se compra com dinheiro”. Fico imaginando que se as política das rádios difusoras (principalmente públicas), fossem um pouco diferente, na certa, arrebentaria Brasil afora. Na oitava faixa que escutamos “Eu ando muito cansado”, letra do poeta paulista Arnaldo Antunes. Chico canta a triste constatação de que o aumento da capacidade de gerar informações, nesses tempos de “tropeirautas”, fez a gente escravo de ter de “saber tudo”. Outra balada, cheia de sentimento, recolhida ao longo do caminho sonoro é a “Quando falta o coração”, parceria com outro mineiro, Vander Lee. Nela, Chico reafirma a necessidade de se colocar sentimento na condução da vida. Logo depois sucede a “No fim da rua”, a arquitetura da letra é do experiente nordestino e brasileiro, Fausto Nilo, que nos traz uma cantiga  comovida e delicada para embalar a dor das despedidas. Depois, na faixa 11, a parceria também bem sucedia com o sempre criativo compositor Maurício Pereira, paulistano bom de pena, que traz ainda a participação de Zeca Baleiro que não conseguiu se segurar só na letra, mas que também nos deu a hora da cantoria – essa fala de um sonho ainda distante – o Brasil com farra, trabalho e justiça.  Na “Cantata”, escrita pelo sulista Vitor Ramil, encontramos uma moda de viola liricamente bucólica e bem encaixada com a boa letra. Por fim, no caminhar de Chico Lobo, ouvimos o instrumental de viola em “Dois rios”, música dos mineiros Samuel Rosa, Lô Borges e o paulistano Nando Reis. Sempre achei criativa, bonita e audaciosa a atitude de um violeiro executar na viola uma canção que não seja originariamente do seu universo cancional. Nesse mundo da arte e da vida, repletos de preconceitos soa como uma atitude madura e carinhosa. Quem sabe o “caipira mineiro”, talvez tenha alguma coisa pra ensinar ao mundo sobre a elegância, a singeleza e o respeito ao outro? Em falta na vida nacional e no planeta: DIFERENÇA NÃO É DISTÃNCIA/É PRECISO HAVER TOLERÃNCIA/COM A OUTRA PONTA DO PONTO NO OUTRO PONTO DE VISTA.  Destaco ainda o competente trabalho rítmico e percussivo, ao longo do CD, de Guilherme Kastrup e parabéns à Rossana Decelso pela ideia e a direção artística. Como digo lá em casa: “se achegue, assente-se e ouça com o coração”, que a viagem de Chico tem a boa e imprescindível companhia dos poetas.


            Texto: Ricardo Evangelista, poeta - dueto musical poético Sarau Tropeiro de Belo Horizonte/MG.
            Agosto de 2011.

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