quinta-feira, 6 de outubro de 2011

TRABALHANDO O RICO MINÉRIO DA VOZ POPULAR


Sobre “Mineral” (BH, Rede Catitu, 2010)
do poeta-músico Ricardo Evangelista

Trabalhando o rico minério da voz popular


A Crítica

Um dos problemas da academia é certamente o academicismo. Os acadêmicos que escrevem para outros acadêmicos. Um dialeto que o povo (os 'leigos') desconhece. Academicismo sobre o qual já falamos em outras oportunidades. Mas há um outro: a preocupação em distinguir arte popular de Arte erudita. Ou um tipo de arte do povo para o povo, uma arte praticamente não-registrada, analfabeta, pictórica, concreta, bem diferente de um outro tipo de Arte, mais culta, mais auto-reflexiva, mais educada, mais abstrata.

Ao fazer a distinção, a academia logo se coloca ao lado (quando não se declara a origem) da Arte culta, refinada, objeto de análise da Crítica, e relega a segundo plano a arte popular. Como se povo não tivesse alcançado a 'educação', como se a cultura espontânea do povo estivesse em falta com os padrões do cânone (isto é, o que é escolhido e sugerido pelos scholars).

Certamente que alguns autores têm (e tiveram) mais acesso aos bens culturais do que outros. É esta a única diferença. Não há uma arte melhor do que a outra sob critério de quem tem diploma e quem não tem. Importa, antes, a qualidade intrínseca da Obra. Existem muitas obras de arte popular que 'humilham' outras da Arte culta, dos acadêmicos que fazem pós-doutorado e se animam a escreverem contos, poemas, romances.

Se ao acadêmico sobra erudição, pode faltar talento e espontaneidade. Sim, talento e espontaneidade que existem de sobra em muitos artistas sem acesso ao meio acadêmico. Uns têm muito talento, e pouca informação; outros têm informação, mas pouco talento. O ideal seria aliar o espontâneo ao erudito – somar qualidade artística pessoal ao conhecido patrimônio artístico compartilhado. Muitos artistas se julgam originais – e estão reinventando a roda! Culpa deles? O fato é que desconhecem o patrimônio artístico já existente.

Outros artistas conseguem dialogar muito bem com ambas as artes distinguidas pelos acadêmicos. Pois tais artistas conhecem o cânone e o subvertem - ou criam à margem do mesmo. Ao conhecimento do cânone agregam o próprio talento pessoal mais a audácia da mudança, de criar o novo. E como toda criação nunca é a partir do nada, o que ajuda estes artistas é justamente a enorme quantidade de informações culturais que conservam. Quanto mais sabem, mais podem subverter o existente, mais podem fazer o cânone se curvar ao talento pessoal.

Para estes artistas a distinção 'arte popular' X 'Arte culta' é mero rótulo, mera fantasia acadêmica. Pois eles conseguem dialogar com todos os estratos de informação – dos mais básicos aos mais eruditos – e criar algo mais pessoalmente marcante, que seria difícil a quem apenas conhece um lado da moeda. É justamente o artista que supera limites e definições que haverá de fazer a diferença quando a arte popular se tornar massificação e alienação e a Arte culta se torna cânone e padrão.


Mineral


Nesta obra a poesia de Ricardo Evangelista é uma poesia popular e ao mesmo tempo demonstra conhecimento escolástico. É popular ao clima daquelas de Solano Trindade, de Patativa do Assaré, de Adão Ventura, mas com algum apuro estético, o que o aproxima de João Cabral de Melo Neto e Manoel de Barros, com um toque mais imagético, além do musical, rítmico. Sim. Afinal de contas, o poeta é também músico, qualidade que o destaca entre os demais.

É pra ler 'Mineral' a imaginar o poeta recitando. Sonoridade: eis o leitmotiv da obra. É uma poesia que foge das páginas, que busca a sonoridade explícita de poesia oral – de cordel, de embolada, de cantoria.

Continua em


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