quarta-feira, 12 de outubro de 2011

MINER(AL): TELURISMO ORGÂNICO


MINER(AL): TELURISMO ORGÂNICO

Por lopes cançado de la rocha

al1
[Do lat. *ale, por alid, na f. clássica aliud, ‘outra coisa’.]
Pronome .1.Ant. Outra pessoa, outra coisa; o mais: “Al não disse, e, fitando olhos ardentes /
Na moça, que de enleio enrubescia, / Com discursos mais fortes e eloqüentes / Na exposição
do caso prosseguia” (Machado de Assis, Poesias Completas, p. 154). Substantivo masculino
2.Ant. As outras coisas; o mais; o resto. [© O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa].

A essas alturas (das Alterosas) e por baixo de tantas avalanches, quem irá nos ouvir? Poetas que tratam de cotidianos facilmente identificáveis por um determinado público – quase sempre grupo de amigos – entre poetas livres, autônomos e aventureiros frente a possíveis leitores. Estes últimos são vozes soterradas ecoando com resistência. Vozes subterrâneas a escombros deixados pelos tão conhecidos pactos de leitura. Tudo quanto nos recomendam a ler deve servir aos estados de ânimo de tais e quais diligências,sem nenhum compromisso com o ato da leitura proveitosa. Sem nenhum compromisso com a liberdade e inter-relação humana. Tudo deve servir para alguma lição instantânea.
Desaguamos no desestímulo à co-leção. Negação do colecionador de textos. Importante assinalar que, entre poetas, escritores, entre nós artistas, poucos adquirem, colecionam e comentam obras de nossos próprios pares. Estamos nessa condição porque a maioria escreve muitos poemas e lêem pouca poesia;
assim como muitos músicos tocam mais do que ouvem. Enfim, os artistas estão mais fazendo do que apreciando artes.
Tal conjuntura prolifera mares de náugrafos, sismógrafos de escrita trêmula e de olhos desatentos a tudo que seus companheiros de tempo manifestam. Eis as batalhas navais e surdas entre egos imaturos. Luiz Arias Manzo e Rogério Salgado suplicam: “hablemo-nos, toquemo-nos, ouvimo-nos”.
Precisamos urgentemente nos provocar, instigar os não-leitores e os leitores autodirigidos, para que novos leitores-escritores de poesia nasçam, cresçam e morram ainda com mais vida.
Ricardo Evangelista responde por essa urgência em Mineral. Um poeta entregue à interlocução e ao livro como fonte aberta, dialogal. Observa-se no título a desinência ‘-al’ ao invés de ‘-idade’ ou ‘-ança’: mineiridade,mineirança, mineral. Em Mineiranças (1991), Fábio Lucas já nos chamava atenção para estas alternâncias do discurso indentitário em Minas.

2

Desde que o conheci, no sarau do Parque da Lagoa do Nado, vi em Ricardo a valorização do intercâmbio, da troca sincera e saudável. O interesse pela condição alheia. Li, posteriormente, um poema de sua autoria intitulado Pessoas numa embalagem de pães (Pão e Poesia, em qualquer esquina, em qualquer padaria). Neste poema verificamos reflexões sobre seu pertencimentoregional/nacional. Pessoa resume que Minas Gerais não são tão somente múltiplas e diversas, mas também fragmentada. Há aqui os mais variados extintos, interesses, conflitos, “vocações & tendências”, bem como influências externas, inter-regionais e internacionais.
A coleção de poemas de Mineral acaba por confirmar isso. Referem- se a pessoas, outros trabalhadores culturais, reverenciando o diálogo entre gerações, entres artistas e mestres contemporâneos. Os mineiros metropolitanos e atuais já não são mais ensimesmados, são mais extrovertidos, têm “muitos desvios” (p.38).
A literatura como participação e sua função fática nos instiga a reinventar a realidade em que vivemos. Falar é agir. Ricardo age como escritor, bom declamador e músico-poeta: um ser engajado na vida. Evocaremos novamente
Rogério Salgado: “antes de sermos grandes poetas, sejamos grandes seres humanos”. Peguemos por exemplo o apelo do poema Gente (p. 43), aqui em tom de aviso com muita franqueza.
Em “Urgente viver” há imagens rememoráveis de divertimentos de rua e uma alusão ao dificílimo ato de entregar, abrir mão para a troca. Quem realmente gosta de poesia se entrega ao livro de versos como a uma taça de vinho. “O velho do rio” é um conto em versos. “Efeito estufa” se aproxima dos poetas ditos marginais nos anos de chumbo. Vejamos isso também em outras passagens, onde há galicismos e estrangeirismos propositais.
Capa telúrica, dialogando com o título e uma arregimentação interessante. Os poemas inaugurais nos embalam para mais tarde respirarmos com versos brancos da poesia narrativa e romântica.
Um livro para se ler em voz alta, ainda que alguns não o considerem de “alta linguagem”, porque o autor demonstra um modo musical de viver sua poeticidade da forma mais humana possível: utilizando-se da clareza da comunicação e da vivacidade espontânea do popular. Subterrâneo por ser raiz e aéreo pela sua oralidade.

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