MINER(AL): TELURISMO ORGÂNICO
Por lopes cançado de la rocha
al1
[Do lat. *ale, por alid, na f.
clássica aliud, ‘outra coisa’.]
Pronome .1.Ant. Outra pessoa, outra
coisa; o mais: “Al não disse, e, fitando olhos ardentes /
Na moça, que de enleio enrubescia, /
Com discursos mais fortes e eloqüentes / Na exposição
do caso prosseguia” (Machado de Assis,
Poesias Completas, p. 154). Substantivo masculino
2.Ant. As outras coisas; o mais; o
resto. [© O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa].
A essas alturas (das Alterosas) e por
baixo de tantas avalanches, quem irá nos ouvir? Poetas que tratam de cotidianos
facilmente identificáveis por um determinado público – quase sempre grupo de
amigos – entre poetas livres, autônomos e aventureiros frente a possíveis
leitores. Estes últimos são vozes soterradas ecoando com resistência. Vozes
subterrâneas a escombros deixados pelos tão conhecidos pactos de leitura. Tudo
quanto nos recomendam a ler deve servir aos estados de ânimo de tais e quais
diligências,sem nenhum compromisso com o ato da
leitura proveitosa. Sem nenhum compromisso com a liberdade e inter-relação
humana. Tudo deve servir para alguma lição instantânea.
Desaguamos no desestímulo à co-leção.
Negação do colecionador de textos. Importante assinalar que, entre poetas,
escritores, entre nós artistas, poucos adquirem, colecionam e comentam obras de
nossos próprios pares. Estamos nessa condição porque a maioria escreve muitos
poemas e lêem pouca poesia;
assim como muitos músicos tocam mais
do que ouvem. Enfim, os artistas estão mais fazendo do que apreciando artes.
Tal conjuntura prolifera mares de
náugrafos, sismógrafos de escrita trêmula e de olhos desatentos a tudo que seus
companheiros de tempo manifestam. Eis as batalhas navais e surdas entre egos
imaturos. Luiz Arias Manzo e Rogério Salgado suplicam: “hablemo-nos,
toquemo-nos, ouvimo-nos”.
Precisamos urgentemente nos provocar,
instigar os não-leitores e os leitores autodirigidos, para que novos
leitores-escritores de poesia nasçam, cresçam e morram ainda com mais vida.
Ricardo Evangelista responde por essa
urgência em Mineral. Um poeta entregue à interlocução e ao livro como fonte
aberta, dialogal. Observa-se no título a desinência ‘-al’ ao invés de ‘-idade’ ou
‘-ança’: mineiridade,mineirança, mineral. Em Mineiranças (1991), Fábio Lucas já
nos chamava atenção para estas alternâncias do discurso indentitário em Minas.
2
Desde que o conheci, no sarau do
Parque da Lagoa do Nado, vi em Ricardo a valorização do intercâmbio, da troca
sincera e saudável. O interesse pela condição alheia. Li, posteriormente, um
poema de sua autoria intitulado Pessoas numa embalagem de pães (Pão e Poesia,
em qualquer esquina, em qualquer padaria). Neste poema verificamos reflexões
sobre seu pertencimentoregional/nacional. Pessoa resume que
Minas Gerais não são tão somente múltiplas e diversas, mas também fragmentada.
Há aqui os mais variados extintos, interesses, conflitos, “vocações &
tendências”, bem como influências externas, inter-regionais e internacionais.
A coleção de poemas de Mineral acaba
por confirmar isso. Referem- se a pessoas, outros trabalhadores culturais,
reverenciando o diálogo entre gerações, entres artistas e mestres
contemporâneos. Os mineiros metropolitanos e atuais já não são mais
ensimesmados, são mais extrovertidos, têm “muitos desvios” (p.38).
A literatura como participação e sua
função fática nos instiga a reinventar a realidade em que vivemos. Falar é
agir. Ricardo age como escritor, bom declamador e músico-poeta: um ser engajado
na vida. Evocaremos novamente
Rogério Salgado: “antes de sermos
grandes poetas, sejamos grandes seres humanos”. Peguemos por exemplo o apelo do
poema Gente (p. 43), aqui em tom de aviso com muita franqueza.
Em “Urgente viver” há imagens
rememoráveis de divertimentos de rua e uma alusão ao dificílimo ato de
entregar, abrir mão para a troca. Quem realmente gosta de poesia se entrega ao
livro de versos como a uma taça de vinho. “O velho do rio” é um conto em
versos. “Efeito estufa” se aproxima dos poetas ditos marginais nos anos de
chumbo. Vejamos isso também em outras passagens, onde há galicismos e
estrangeirismos propositais.
Capa telúrica, dialogando com o título
e uma arregimentação interessante. Os poemas inaugurais nos embalam para mais
tarde respirarmos com versos brancos da poesia narrativa e romântica.
Um livro para se ler em voz alta, ainda que alguns não
o considerem de “alta linguagem”, porque o autor demonstra um modo musical de
viver sua poeticidade da forma mais humana possível: utilizando-se da clareza
da comunicação e da vivacidade espontânea do popular. Subterrâneo por ser raiz e
aéreo pela sua oralidade.
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